domingo, 21 de maio de 2023

Trabalho braçal.

Hoje aprendi a usar algumas ferramentas da agricultura.

Inseparável de quem trabalha na lida é o facão, sempre na cintura. Nos guia e protege, abrindo os caminhos e dizendo que podemos passar. Com ele, abrimos as trilhas já existentes e podemos desbravar o ambiente descobrindo novos rumos. Facão na mão, não há nada que não possa ser trilhado ou criado. Uma expansão do braço que é fluida, corta o que não se deseja e molda o que é preciso modificar. Pode se tornar um perigo pra quem não tem coragem, mas a tentativa e olhar atento ensinam seu uso.

Uma extensão maior ainda do braço é a foice, que chega até lugares mais distantes pra expandir os rumos que vislumbramos. Enxerga o que o facão não vê, o que vem mais de cima ou mais de baixo, na distância mais imaginada do que vista. Com sua lâmina criamos meias-luas e círculos aos nossos lados, baixando cipós e galhos, desenredando as teias reais e imaginárias do que nos pode prender. 

A enxada é bruta e terna de uma só vez, batendo com força pra retirar plantas indesejadas e amolecer a terra. Cria um ambiente agradável, mais fácil de se respirar quando imerso nele. Revira a terra trazendo coisas à tona e derruba o que vem se espalhando e trepando sobre nossas bases. Tudo o que se move se transforma, e esse é o potencial de mistura dos elementos, criando o berço pra que algo possa nascer.

Mais forte e intensa do que a enxada é a grande e pesada picareta, abridora de buracos, quebradora de pedras. Com seu peso, rompe o que impede que as raízes ultrapassem, o que não deixa sementes se estabelecerem, o que precisa sair pra que outra coisa possa aparecer. Permite que se veja o que há nas profundezas da terra, os segredos escuros por baixo da superfície, os corredores secretos dos seres minúsculos. Faz subir o cheiro do que está escondido e quebrar o que impede que algo cresça, pra uma semente ou muda poder ser plantada com acesso à energia de todos os estratos.

A pá por sua vez é o movimento que leva um suprimento de um lugar ao outro, que libera espaço e ajuda a carregar mais rapidamente algo que demoraria mais pra se movimentar. Tirando pedras, terra, folhas, permite a mudança e a reviravolta. 

Já a lima é uma chave importante. Pequena e invisível da lida, tem seu papel essencial na potencialização das ferramentas. É o que permite que elas trabalhem, fazendo o fio e dando funcionalidade. Com seus detalhes e sutilezas, ao mesmo tempo que sua força de desgaste cria a lâmina que corta e faz o trabalho prosseguir. Sem essa ferramenta tantas vezes esquecida, o manejo dos espaços seria impossível. A lima é a preparação, o que traz a força das ideias à realidade concreta e permite que o primeiro passo seja dado. É como o fogo que se acende no peito trazendo a realidade da ação imaginada.

Aprendo muito com as ferramentas, sobre o trabalho e sobre mim. Tudo o que se descobre, as similaridades do fora e do dentro, que parecem separados mas são um só. Ser função num sistema, ser objeto que molda, ser natureza que cria, ser natureza que é criada a cada instante, cada aprendizado, cada sentimento, cada intuição. Cada cheiro de terra, cor de fruto e textura de folha, cada som de facão, enxada e lixa, cada lampejo que passa por dentro, tudo é trabalho, e o real significado do trabalho é que seja parte indispensável da vida, não pelo outro mas por si: pra se criar um motivo de viver. 


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