Minhas primeiras impressões na Bolívia começaram no avião, chegando de São Paulo a Santa Cruz de la Sierra. Eu, que não tinha pesquisado muito antes de partir, imaginava que ia chegar e ver montanhas, Bolívia já era sinônimo dos Andes, mesmo sabendo do grande espaço do território que não é montanhoso. Olhava pelas janelas procurando elevações e não via nada, e me estranhava que cada vez via menos; via algumas plantações, llanuras sin fin, e aos poucos foram cada vez mais sumindo no meio de uma poeira amarronzada. Enquanto pousava, me estranhava ver tantas palmeiras. Como pode ter tanta palmeira em um país completamente continental? Foi meu contato com a tropicalidade da Bolívia, não tem praia, mas tem palmeiras. Muy raro. Não entendia nada.
Já via o vento das janelas do avião enquanto pousava. Via mesmo, porque parecia muito poeirento, e parecia também muito forte porque as folhas das palmeiras eram claramente voltadas pra um lado e se balançavam. Saí do aeroporto e comprovei: muito vento, muita poeira. Sentia os grãos entrando no meu nariz, sentia muito calor porque meus casacos não cabiam na mala e eu precisava usar todos, era golpeada pelo vento como as copas das palmeiras já tão inclinadas pelos anos de ventania. Não esperava tanto calor, nem tanto vento. Nem as palmeiras, fiquei perplexa em ver tantas, e não qualquer palmeira, mas coco. Coco mesmo, ficava olhando e questionando se era isso realmente porque na minha cabeça de botânico em formação não fazia sentido ter esses cocos ali. Pensava neles como muito característicos do litoral brasileiro, mas, pensando agora, óbvio que não.
E fui numa llanura em meio ao sol do meio dia, tão mais claro e forte do que o que eu estava acostumada, pegar uma van pro centro da cidade. Me sinto tão segura sozinha sem saber exatamente pra onde tô indo. Tava morrendo de fome e não sabia o nome de nenhuma comida, recém chegada em terras hispanohablantes. Esperava uma cidade maior, com prédios, construções e vi algo muito mais sencillo, me espantei com a quantidade de gente vendendo coisas na rua, mas me senti muito bem apesar do peso das mochilas, da fome, do calor. Apontei pra um bolo, não queria perguntar nada além de onde pegar o ônibus pra onde eu tava indo. Não sabiam me responder, mas consegui encontrar sozinha. Gosto de ir yendo, sem perguntar, sem confirmar, mas com a segurança do mapa em mãos. Nada pode dar tão errado.
No outro dia, me levaram de moto pra conhecer o Jardim Botânico. Nos perdemos um pouco e caminhamos um montão. Adorei ver as plantas frutíferas parecidas com as que eu já conheço, reconhecer gêneros e famílias, ver elas ali ocorrendo tão iguais e tão diferentes em um local tão longe. Andamos em umas partes que estava escrito pra não ir porque podíamos nos perder, mas meu acompanhante disse que já tinha ido e não parecia nada propício a não se encontrar outra vez. Devemos ter andado por umas duas horas, sem água e no calor queimando minha pele. Mas foi lindo ver o quanto a vegetação muda em trechos tão curtos, claramente notável a diferença dos bosques mais secos, queimados de sol, baixos, retorcidos, pros mais úmidos, com árvores grandes, mais verdes, altas. Me encanta perceber que aqui tem tal planta e logo ali não tem mais, e perceber as sutilezas não tão sutis das diferenças de solo, água, incidência solar na estrutura dos bosques. A semelhança é que todas estavam igualmente marrons de poeira.
No outro dia, a viagem foi linda. De ônibus de Santa Cruz hacia Cochabamba. Foi uma tortura os cinco filmes seguidos sobre animais que fui obrigada a assistir em volume mais alto que o necessário, me atacando a ansiedade, mas a vista da janela foi maravilhosa. Pude ver a mudança de vegetação com a altitude, começando pelo chaco seco de Santa Cruz com palmeiras e gramas, passando por um bosque baixo, depois uma neblina e a vegetação de yungas (creio) verde e grande como uma floresta pluvial, inclusive com plantas conhecidas como as mais marcantes jussaras e embaúbas. Depois tudo começou a secar, depois de subir um pouco as montanhas, e eu via paredões com gramas secas, bromélias e cactos até escurecer e não mais poder ver nada quando já estava entrando nas urbanizações.
Assim cheguei a Cochabamba, depois de 12 horas encantadoras de observação de paisagens maravilhosas pelos gradientes vegetacionais desconhecidos da Bolívia. Pensava não querer voltar a Santa Cruz, mas na verdade resolvi escrever isso justamente por estar pesquisando outras coisas pra fazer por lá. Espero voltar em breve pra conhecer las lomas de arena e também Samaipata, e também outros lugares desse país tão cheio de coisas pra descobrir.