sexta-feira, 19 de abril de 2024
Colapso.
quarta-feira, 17 de abril de 2024
Neurodiversidade.
Apesar de ao longo de toda minha vida eu ter vivido com essa condição, é extremamente recente o meu reconhecimento de mim mesmo como uma pessoa neurodivergente. Na verdade foi ontem a primeira vez que pensei assim: então eu sou neurodivergente. Antes disso já tinha dito em voz alta pra um amigo que não sou neurotípico, mas é diferente expressar uma afirmação do que uma negação. E afirmei pra mim mesmo com todas as letras que sou neurodivergente.
Mesmo que nos últimos meses já estivesse pensando nisso, agora se tornou uma realidade na minha vida. Um dia, quando tive uma crise forte no meio de um monte de neurotípicos, o que me ficou desse momento é que a maioria das pessoas não faz a mínima ideia de o que é passar por crises de ansiedade. Sempre dei esse nome pra tudo que passei e passo na vida desde que aprendi o que significa isso, ansiedade. Mas com o tempo fui percebendo que tem coisas além, que tem coisas que podem ser mais complexas, que não são causadas necessariamente por algo externo, mas que fazem parte do funcionamento natural do meu eu.
Minha justificativa, desde que comecei a chamar tudo de ansiedade (algo que demorou muitos anos pra acontecer) era que tal coisa aumenta minha ansiedade, tal coisa me faz ter crise de ansiedade, tal outra coisa é ansiogênica, gente demais me dá ansiedade social, enfim, tudo assim. É bom ter um nome pra dar, pra não parecer mais uma nuvem de fumaça pairando sem ter o que encontrar atrás. De fato sofro de ansiedade, que não chamo de transtorno de ansiedade generalizada, nem de ansiedade crônica, só de ansiedade.
Na situação dessa mesma crise que citei antes, até escrevi um texto falando que eu nunca vou superar essas coisas na minha vida. Sempre vi isso tudo que passo como algo que podia ter cura, algo que precisava tratar pra fazer passar, e que isso era possível. Naquele dia, percebi que não e isso me deprimiu muito, porque pensei que nunca na minha vida eu ia poder ser diferente daquilo e não sentir essas sensações tão intensas no pior sentido da palavra. Com a nova perspectiva de neurotipia, me sinto mais tranquila: de fato é algo meu, e que nunca vou conseguir tratar, mas porque não tem um tratamento. Não é um problema, não é uma doença, é minha condição. E, por pior que seja historicamente lidar com isso, essa sou eu.
Pensava que existia um eu abaixo dessas camadas de ansiedade, pensava que era algo colocado em mim pelas minhas vivências, algo fora de mim, que eu pudesse despir como uma roupa, mesmo que uma roupa intimamente colada com a cola mais poderosa do mundo. Me deixa feliz mudar essa opinião, me faz aceitar que tem coisas específicas minhas, que outras pessoas compartilham embora a maioria não tenha ideia, e que são sim ruins, que não vão passar, mas que tenho recursos pra lidar.
E essa é a parte mais importante: descobrir os recursos pra lidar. Mas, além disso, ser capaz de utilizar esses recursos sem se sentir julgado e envergonhado. Essa pra mim é a parte mais difícil, mas me fortaleço nas minhas amizades neurodivergentes pra afirmar minhas necessidades básicas. Teve um tempo que eu me obrigava a seguir em situações desconfortáveis porque pensava que eu não podia sair delas, que seria errado evitar. São sofrimentos que parecem pequenos, mas coisas como excesso de ruído, barulhos ritmados, luz branca, alguns cheiros específicos, muita informação visual, assuntos simultâneos em um espaço pequeno, enfim, mais tantos exemplos que posso encontrar e dissertar sobre, podem desencadear coisas horríveis. O problema é que, por parecer algo normal da vida, parece que tenho que lidar com isso, que tenho que aguentar isso como se não fosse algo que me faz mal. Mas isso é violência contra si mesmo, e por mim quero ter carinho. Pelo meu auto respeito, decidi seguir o que sinto independente do que penso que vão pensar.
Isso pode ser chamado de ansiedade, o pensamento que eu penso que alguém vai pensar se eu fizer determinada coisa de tal jeito. Mas como vou saber o que o outro vai pensar, se ele nem pensou ainda porque ainda não fiz, e se eu sou eu e o outro é o outro, ou seja, nunca posso saber exatamente a não ser que pergunte, e mesmo perguntando posso não saber caso a pessoa resolva mentir? Pois é. Considerando isso, não posso deixar de respeitar meu impulso de auto proteção pensando no outro que provavelmente não tá nem aí pra o que eu faço da minha vida, assim como eu também não tenho que estar nem aí pra o que ele pensar de mim.
É tudo muito difícil, são processos muito lentos mas sempre constantes. To descobrindo muitas coisas novas e é extremamente desafiante, mas muito bom. Me sinto muito incompreendido, mas isso não é novidade. Pelo menos sempre me aproximei mais intensamente de pessoas neurodivergentes, mesmo sem saber, porque assim é mais fácil conviver, ter afinidades, compreender e ser compreendido. Coisas simples podem ser muito complexas, mas já aprendi que não é porque um faz de determinada forma que a minha forma precisa ser igual. E, normalmente, minha forma não é igual.
To tentando amolecer toda a repressão que sofri na vida, mesmo que indiretamente, por não seguir roteiros de ação e pensamento socialmente aceitos. Mas é difícil descolar uma cola potente, abrir uma casca muito lignificada, rasgar algo grosso demais. Só que sei que existe algo muito fluido dentro dessa rigidez, que não é fixo nem cíclico, que tem padrões mas sempre é novo.
Assim sou Mar.