sexta-feira, 19 de abril de 2024

Colapso.

Quando digo pra alguém que to em surto, sinto que é exagero. Começo a chorar e penso que minha cabeça tá em colapso, mas sinto mal em expressar isso. Parece exagero, e mesmo eu me faço crer que é discurso demasiado. Tento amenizar o que sinto com pensamentos pra não parecer tão ruim, e com isso passo a mesmo duvidar do que to sentindo. Sem perceber que duvidar do próprio surto é pior que o surto em si, é tentar controlar o surto e guardar ele em algum canto do dentro pra que a qualquer momento exploda inesperadamente enquanto se fingia que não existia.
Sinto vulnerabilidade quando digo o que sinto pra alguém, mas não consigo deixar de dizer. Intensifico e amenizo, ao mesmo tempo, minhas palavras. Preciso mostrar que é sério, mas não sério demais. E preciso mostrar que to vivendo, apesar de em colapso. Difícil conciliar, e pior ainda pensar que isso tudo é só pros outros. O ideal seria simplesmente viver esses sentimentos, lidar com eles de maneira intuitiva, sem ter que explicar pra ninguém e sem ter que lidar antecipadamente com julgamentos que nem sei se vão vir. Mas, primeiramente, quem me julga sou eu. E não quero estar em surto, mas to.

Só de pensar em existir na minha casa já me sinto mal, apesar de gostar muito da minha casa. Ontem saí e não queria voltar, disse: minha casa tá deprimente. Claramente não é a casa que tá deprimente, e sim eu que to deprimida, mas a casa reflete. Chorei só de olhar pra minha cama cheia de roupas limpas esperando pra serem guardadas porque não me senti capaz de fazer isso, mas ao mesmo tempo ver a bagunça me despertou as piores sensações. Tento amenizar: pelo menos são roupas limpas; penso que poderia ser pior, e assim deslegitimo meu próprio sentimento.
Não tenho ânimo de limpar a sujeira, e escrevo em um computador em cima de cabelos e poeiras. Chorei ouvindo um miado do meu gato reclamando de qualquer coisa da vidinha dela, que não sei o quê porque não entendo miados. Só entendo que não tenho capacidade no momento pra lidar com um outro serzinho, se nem de mim consigo dar conta. Nenhuma de nós merece isso.
Mas o pior de tudo sou eu tentando fazer leviano algo que sinto tão sério. E de tanto pensar que poderia ser pior, paro de acreditar no quanto to mal. Parando de acreditar, paro de lidar com isso. E, parando de lidar com isso, fico mais mal. Só que, mesmo mais mal, ainda amenizo pra parecer melhor do que realmente é, e assim vai indo. E volta pros outros: preciso expressar meu estado, mas sem parecer exagero, e preciso também mostrar que posso viver uma vida mesmo estando em surto.
Não sei como conciliar tudo com os compromissos que a vida me obriga nesse momento da existência. A vontade é de largar tudo, mas as consequências disso seriam piores pra mim depois, que justamente to em crise porque quero que essa etapa acabe logo. É a escolha do meu desrespeito sobre mim mesmo pra que depois tudo fique mais tranquilo. Mas o quanto vale a pena, sinceramente me questiono. 

quarta-feira, 17 de abril de 2024

Neurodiversidade.

Apesar de ao longo de toda minha vida eu ter vivido com essa condição, é extremamente recente o meu reconhecimento de mim mesmo como uma pessoa neurodivergente. Na verdade foi ontem a primeira vez que pensei assim: então eu sou neurodivergente. Antes disso já tinha dito em voz alta pra um amigo que não sou neurotípico, mas é diferente expressar uma afirmação do que uma negação. E afirmei pra mim mesmo com todas as letras que sou neurodivergente.

Mesmo que nos últimos meses já estivesse pensando nisso, agora se tornou uma realidade na minha vida. Um dia, quando tive uma crise forte no meio de um monte de neurotípicos, o que me ficou desse momento é que a maioria das pessoas não faz a mínima ideia de o que é passar por crises de ansiedade. Sempre dei esse nome pra tudo que passei e passo na vida desde que aprendi o que significa isso, ansiedade. Mas com o tempo fui percebendo que tem coisas além, que tem coisas que podem ser mais complexas, que não são causadas necessariamente por algo externo, mas que fazem parte do funcionamento natural do meu eu. 

Minha justificativa, desde que comecei a chamar tudo de ansiedade (algo que demorou muitos anos pra acontecer) era que tal coisa aumenta minha ansiedade, tal coisa me faz ter crise de ansiedade, tal outra coisa é ansiogênica, gente demais me dá ansiedade social, enfim, tudo assim. É bom ter um nome pra dar, pra não parecer mais uma nuvem de fumaça pairando sem ter o que encontrar atrás. De fato sofro de ansiedade, que não chamo de transtorno de ansiedade generalizada, nem de ansiedade crônica, só de ansiedade. 

Na situação dessa mesma crise que citei antes, até escrevi um texto falando que eu nunca vou superar essas coisas na minha vida. Sempre vi isso tudo que passo como algo que podia ter cura, algo que precisava tratar pra fazer passar, e que isso era possível. Naquele dia, percebi que não e isso me deprimiu muito, porque pensei que nunca na minha vida eu ia poder ser diferente daquilo e não sentir essas sensações tão intensas no pior sentido da palavra. Com a nova perspectiva de neurotipia, me sinto mais tranquila: de fato é algo meu, e que nunca vou conseguir tratar, mas porque não tem um tratamento. Não é um problema, não é uma doença, é minha condição. E, por pior que seja historicamente lidar com isso, essa sou eu.

Pensava que existia um eu abaixo dessas camadas de ansiedade, pensava que era algo colocado em mim pelas minhas vivências, algo fora de mim, que eu pudesse despir como uma roupa, mesmo que uma roupa intimamente colada com a cola mais poderosa do mundo. Me deixa feliz mudar essa opinião, me faz aceitar que tem coisas específicas minhas, que outras pessoas compartilham embora a maioria não tenha ideia, e que são sim ruins, que não vão passar, mas que tenho recursos pra lidar.

E essa é a parte mais importante: descobrir os recursos pra lidar. Mas, além disso, ser capaz de utilizar esses recursos sem se sentir julgado e envergonhado. Essa pra mim é a parte mais difícil, mas me fortaleço nas minhas amizades neurodivergentes pra afirmar minhas necessidades básicas. Teve um tempo que eu me obrigava a seguir em situações desconfortáveis porque pensava que eu não podia sair delas, que seria errado evitar. São sofrimentos que parecem pequenos, mas coisas como excesso de ruído, barulhos ritmados, luz branca, alguns cheiros específicos, muita informação visual, assuntos simultâneos em um espaço pequeno, enfim, mais tantos exemplos que posso encontrar e dissertar sobre, podem desencadear coisas horríveis. O problema é que, por parecer algo normal da vida, parece que tenho que lidar com isso, que tenho que aguentar isso como se não fosse algo que me faz mal. Mas isso é violência contra si mesmo, e por mim quero ter carinho. Pelo meu auto respeito, decidi seguir o que sinto independente do que penso que vão pensar.

Isso pode ser chamado de ansiedade, o pensamento que eu penso que alguém vai pensar se eu fizer determinada coisa de tal jeito. Mas como vou saber o que o outro vai pensar, se ele nem pensou ainda porque ainda não fiz, e se eu sou eu e o outro é o outro, ou seja, nunca posso saber exatamente a não ser que pergunte, e mesmo perguntando posso não saber caso a pessoa resolva mentir? Pois é. Considerando isso, não posso deixar de respeitar meu impulso de auto proteção pensando no outro que provavelmente não tá nem aí pra o que eu faço da minha vida, assim como eu também não tenho que estar nem aí pra o que ele pensar de mim.

É tudo muito difícil, são processos muito lentos mas sempre constantes. To descobrindo muitas coisas novas e é extremamente desafiante, mas muito bom. Me sinto muito incompreendido, mas isso não é novidade. Pelo menos sempre me aproximei mais intensamente de pessoas neurodivergentes, mesmo sem saber, porque assim é mais fácil conviver, ter afinidades, compreender e ser compreendido. Coisas simples podem ser muito complexas, mas já aprendi que não é porque um faz de determinada forma que a minha forma precisa ser igual. E, normalmente, minha forma não é igual.

To tentando amolecer toda a repressão que sofri na vida, mesmo que indiretamente, por não seguir roteiros de ação e pensamento socialmente aceitos. Mas é difícil descolar uma cola potente, abrir uma casca muito lignificada, rasgar algo grosso demais. Só que sei que existe algo muito fluido dentro dessa rigidez, que não é fixo nem cíclico, que tem padrões mas sempre é novo.

Assim sou Mar.