sábado, 25 de maio de 2024

Tem lugares.

Tem lugares em que a gente seca,

Tem lugares que a gente mofa.

Onde seca, primeiro traz a surpresa: tu não sabe que vive em um lugar úmido até que sinta la sequedad. Mesmo se chove - sempre por poucos minutos uma garoa quase nula - as roupas secam no varal. A roupa seca, a pele seca, o alho seca, o olho seca, a terra seca. O ânimo seca, enrijece, endurece, o sentimento emudece. E, se molha, é demasiado mas logo escorre e passa, seca. Tudo seca, racha, quebra, é solitária a sequidão. Sin ganas, sin fuerzas.

Onde mofa sempre foi corriqueiro, normalidad. Perceber o mofo como algo distinto, entender a origem do mofo, a umidade. El moho desintegra, desjunta, despega, é um excesso oposto à solidão, é tanto, espécies, cores, efeitos, cheiros, esporos, é tanto. O ânimo derrete, se desfaz em uma dispersão imensa. Onde mofa é velho, passado, excesso. O que falta e o que sobra.

Sinto falta da secura, mas quando estava nela, sentia falta do que molha. Os seres vivos del moho tem ali algo de vida, de vivo, de vital, que o que seca não traz pues queda estéril. O úmido é vivo, até demais. De águas encharcadas vem lixo que não acaba, real e metafórico. Do vento seco a poeira, da enchente, a lama. Ambos não se acabam nunca. Ambos são fluxos que carregam algo de ser. Ambos são dor.

sexta-feira, 19 de abril de 2024

Colapso.

Quando digo pra alguém que to em surto, sinto que é exagero. Começo a chorar e penso que minha cabeça tá em colapso, mas sinto mal em expressar isso. Parece exagero, e mesmo eu me faço crer que é discurso demasiado. Tento amenizar o que sinto com pensamentos pra não parecer tão ruim, e com isso passo a mesmo duvidar do que to sentindo. Sem perceber que duvidar do próprio surto é pior que o surto em si, é tentar controlar o surto e guardar ele em algum canto do dentro pra que a qualquer momento exploda inesperadamente enquanto se fingia que não existia.
Sinto vulnerabilidade quando digo o que sinto pra alguém, mas não consigo deixar de dizer. Intensifico e amenizo, ao mesmo tempo, minhas palavras. Preciso mostrar que é sério, mas não sério demais. E preciso mostrar que to vivendo, apesar de em colapso. Difícil conciliar, e pior ainda pensar que isso tudo é só pros outros. O ideal seria simplesmente viver esses sentimentos, lidar com eles de maneira intuitiva, sem ter que explicar pra ninguém e sem ter que lidar antecipadamente com julgamentos que nem sei se vão vir. Mas, primeiramente, quem me julga sou eu. E não quero estar em surto, mas to.

Só de pensar em existir na minha casa já me sinto mal, apesar de gostar muito da minha casa. Ontem saí e não queria voltar, disse: minha casa tá deprimente. Claramente não é a casa que tá deprimente, e sim eu que to deprimida, mas a casa reflete. Chorei só de olhar pra minha cama cheia de roupas limpas esperando pra serem guardadas porque não me senti capaz de fazer isso, mas ao mesmo tempo ver a bagunça me despertou as piores sensações. Tento amenizar: pelo menos são roupas limpas; penso que poderia ser pior, e assim deslegitimo meu próprio sentimento.
Não tenho ânimo de limpar a sujeira, e escrevo em um computador em cima de cabelos e poeiras. Chorei ouvindo um miado do meu gato reclamando de qualquer coisa da vidinha dela, que não sei o quê porque não entendo miados. Só entendo que não tenho capacidade no momento pra lidar com um outro serzinho, se nem de mim consigo dar conta. Nenhuma de nós merece isso.
Mas o pior de tudo sou eu tentando fazer leviano algo que sinto tão sério. E de tanto pensar que poderia ser pior, paro de acreditar no quanto to mal. Parando de acreditar, paro de lidar com isso. E, parando de lidar com isso, fico mais mal. Só que, mesmo mais mal, ainda amenizo pra parecer melhor do que realmente é, e assim vai indo. E volta pros outros: preciso expressar meu estado, mas sem parecer exagero, e preciso também mostrar que posso viver uma vida mesmo estando em surto.
Não sei como conciliar tudo com os compromissos que a vida me obriga nesse momento da existência. A vontade é de largar tudo, mas as consequências disso seriam piores pra mim depois, que justamente to em crise porque quero que essa etapa acabe logo. É a escolha do meu desrespeito sobre mim mesmo pra que depois tudo fique mais tranquilo. Mas o quanto vale a pena, sinceramente me questiono. 

quarta-feira, 17 de abril de 2024

Neurodiversidade.

Apesar de ao longo de toda minha vida eu ter vivido com essa condição, é extremamente recente o meu reconhecimento de mim mesmo como uma pessoa neurodivergente. Na verdade foi ontem a primeira vez que pensei assim: então eu sou neurodivergente. Antes disso já tinha dito em voz alta pra um amigo que não sou neurotípico, mas é diferente expressar uma afirmação do que uma negação. E afirmei pra mim mesmo com todas as letras que sou neurodivergente.

Mesmo que nos últimos meses já estivesse pensando nisso, agora se tornou uma realidade na minha vida. Um dia, quando tive uma crise forte no meio de um monte de neurotípicos, o que me ficou desse momento é que a maioria das pessoas não faz a mínima ideia de o que é passar por crises de ansiedade. Sempre dei esse nome pra tudo que passei e passo na vida desde que aprendi o que significa isso, ansiedade. Mas com o tempo fui percebendo que tem coisas além, que tem coisas que podem ser mais complexas, que não são causadas necessariamente por algo externo, mas que fazem parte do funcionamento natural do meu eu. 

Minha justificativa, desde que comecei a chamar tudo de ansiedade (algo que demorou muitos anos pra acontecer) era que tal coisa aumenta minha ansiedade, tal coisa me faz ter crise de ansiedade, tal outra coisa é ansiogênica, gente demais me dá ansiedade social, enfim, tudo assim. É bom ter um nome pra dar, pra não parecer mais uma nuvem de fumaça pairando sem ter o que encontrar atrás. De fato sofro de ansiedade, que não chamo de transtorno de ansiedade generalizada, nem de ansiedade crônica, só de ansiedade. 

Na situação dessa mesma crise que citei antes, até escrevi um texto falando que eu nunca vou superar essas coisas na minha vida. Sempre vi isso tudo que passo como algo que podia ter cura, algo que precisava tratar pra fazer passar, e que isso era possível. Naquele dia, percebi que não e isso me deprimiu muito, porque pensei que nunca na minha vida eu ia poder ser diferente daquilo e não sentir essas sensações tão intensas no pior sentido da palavra. Com a nova perspectiva de neurotipia, me sinto mais tranquila: de fato é algo meu, e que nunca vou conseguir tratar, mas porque não tem um tratamento. Não é um problema, não é uma doença, é minha condição. E, por pior que seja historicamente lidar com isso, essa sou eu.

Pensava que existia um eu abaixo dessas camadas de ansiedade, pensava que era algo colocado em mim pelas minhas vivências, algo fora de mim, que eu pudesse despir como uma roupa, mesmo que uma roupa intimamente colada com a cola mais poderosa do mundo. Me deixa feliz mudar essa opinião, me faz aceitar que tem coisas específicas minhas, que outras pessoas compartilham embora a maioria não tenha ideia, e que são sim ruins, que não vão passar, mas que tenho recursos pra lidar.

E essa é a parte mais importante: descobrir os recursos pra lidar. Mas, além disso, ser capaz de utilizar esses recursos sem se sentir julgado e envergonhado. Essa pra mim é a parte mais difícil, mas me fortaleço nas minhas amizades neurodivergentes pra afirmar minhas necessidades básicas. Teve um tempo que eu me obrigava a seguir em situações desconfortáveis porque pensava que eu não podia sair delas, que seria errado evitar. São sofrimentos que parecem pequenos, mas coisas como excesso de ruído, barulhos ritmados, luz branca, alguns cheiros específicos, muita informação visual, assuntos simultâneos em um espaço pequeno, enfim, mais tantos exemplos que posso encontrar e dissertar sobre, podem desencadear coisas horríveis. O problema é que, por parecer algo normal da vida, parece que tenho que lidar com isso, que tenho que aguentar isso como se não fosse algo que me faz mal. Mas isso é violência contra si mesmo, e por mim quero ter carinho. Pelo meu auto respeito, decidi seguir o que sinto independente do que penso que vão pensar.

Isso pode ser chamado de ansiedade, o pensamento que eu penso que alguém vai pensar se eu fizer determinada coisa de tal jeito. Mas como vou saber o que o outro vai pensar, se ele nem pensou ainda porque ainda não fiz, e se eu sou eu e o outro é o outro, ou seja, nunca posso saber exatamente a não ser que pergunte, e mesmo perguntando posso não saber caso a pessoa resolva mentir? Pois é. Considerando isso, não posso deixar de respeitar meu impulso de auto proteção pensando no outro que provavelmente não tá nem aí pra o que eu faço da minha vida, assim como eu também não tenho que estar nem aí pra o que ele pensar de mim.

É tudo muito difícil, são processos muito lentos mas sempre constantes. To descobrindo muitas coisas novas e é extremamente desafiante, mas muito bom. Me sinto muito incompreendido, mas isso não é novidade. Pelo menos sempre me aproximei mais intensamente de pessoas neurodivergentes, mesmo sem saber, porque assim é mais fácil conviver, ter afinidades, compreender e ser compreendido. Coisas simples podem ser muito complexas, mas já aprendi que não é porque um faz de determinada forma que a minha forma precisa ser igual. E, normalmente, minha forma não é igual.

To tentando amolecer toda a repressão que sofri na vida, mesmo que indiretamente, por não seguir roteiros de ação e pensamento socialmente aceitos. Mas é difícil descolar uma cola potente, abrir uma casca muito lignificada, rasgar algo grosso demais. Só que sei que existe algo muito fluido dentro dessa rigidez, que não é fixo nem cíclico, que tem padrões mas sempre é novo.

Assim sou Mar. 

domingo, 3 de março de 2024

Força de vontade.

Recentemente ando pensando que minha força de vontade é muito baixa porque não consigo pensar uma coisa e fazer, não consigo alcançar as metas de regularidade e de mudanças que me proponho. Nisso entra diminuir doces e estimulantes como a erva mate, fazer exercícios com alguma frequência, meditar, enfim. O primeiro ponto é que me proponho coisas demais, mais do que me é possível realizar, o que exigiria muito mais energia do que a que tenho, já que parto dizendo que minha força de vontade é fraca. Mas mesmo com menos coisas, não rola... ando pensando e experienciando sobre isso e descobrindo coisas interessantes.

Uma das coisas que me fez pensar foi a prática de jejum que comecei, irregularmente, a fazer. Parece que tudo que me proponho vira um compromisso, e, com isso, uma obrigação. Jejum é algo que me faz sentir bem, é uma prática pra trazer benefícios, mas acabou me trazendo ansiedade por acordar e sentir como que uma proibição em comer, e também uma dúvida em se hoje vou me manter sem alimento ou vou comer normalmente. Essa dúvida, como o nome diz, me deixa em confusão, e com confusão a ansiedade, e com a ansiedade a vontade de comer, mas sentindo que tenho um compromisso em evitar isso... e tudo vira uma prisão. Algo que era pra ser bom toma uma conotação negativa.

Quem tá me julgando, quem tá me culpando, quem tá me obrigando? A resposta é clara: ninguém. Então por que, mesmo assim, é tão difícil? Me coloco uma rigidez que não preciso, e percebo que tenho dificuldade não só em manter regularidades, mas, principalmente, em saber flexibilizar. Parece que o que me proponho toma um aspecto rígido, e, sendo rígido, passível da dualidade do certo e do errado. E, se dá errado, o óbvio é simplesmente deixar de fazer.

Uns anos atrás fiz um curso que, ao final, nos propunha uma prática por 21 dias seguidos. Tentei, mas já na primeira semana falhei um dia e, como diz aquela dos jovens, de aí pra frente só pra trás, ou seja, falhei um, muito mais fácil falhar outros do que retomar a regularidade proposta. Mas por que tem que ser assim? O que percebo que sempre senti, ou que usei como uma desculpa pra não me esforçar o suficiente e não exercitar minha força de vontade, é que já estraguei tudo, já fiz errado, então não adianta mais. Mas essa é a resposta mais fácil e a que menos parece ter sentido...

Esses dias comecei um tratamento que demandava 15 dias de regularidade, mas em dia sim, dia não. Mais fácil então, a prática já propõe assim de primeira que se falhe. Falhei alguns dias, deixando dois não, um sim em alguns momentos, mas não desisti. Percebi que o mais importante é o seguimento, mesmo que irregular, do que a desistência que te faz voltar pra onde tu tava antes de iniciar, ou seja, com o desejo de mudar algo. Vinha o pensamento de que ia dar errado, mas o julgamento e a culpa eram minhas pra mim mesma e, finalmente, consegui suavizar um pouco isso.

Um Exu falou comigo há poucos dias atrás. Falando de algo que ele me disse pra fazer todos os dias antes de dormir, acrescentou que se a nega não fizer todos os dia não tem problema, porque a nega pensa que é assim né? Não vai dar errado porque a nega não faz todos os dias porque não tem ninguém pra dizer se tá certo ou errado além da nega. E é, pois é... sou exatamente assim. Por que tanta rigidez? 

E isso tudo me traz pra como as pessoas são diferentes... Tem gente que precisa se enrijecer, porque é muito solto, então o exercício da regularidade estrita é muito eficiente e benéfico. Mas tem outras pessoas que precisam suavizar, porque são muito rígidas. Pra mim, o importante não é manter a rotina, mas sim aprender que a rotina pode não ser mantida e tá tudo bem, segue sendo uma rotina em potencial, e isso é importante. Sei que vou falhar, e não é exatamente porque minha força de vontade é fraca... Talvez é justamente por ser muito forte e dual. To aprendendo que mais importante é evitar a intensidade e trabalhar pelo que é leve e suave, e que a única pessoa que me julga, culpa e obriga sou eu, mas que não preciso fazer isso. Provavelmente vou seguir fazendo, afinal, são longos processos... Mas o processo é pra seguir o caminho, e não pra chegar no final. 

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2024

III de espadas.


    Se tem uma carta que não gosto em Rider Waite é essa. Tem desenhos tão bonitos todo o baralho, mas aí chega nessa e é um... coração atravessado de três espadas. Simbolismo tão óbvio, sem a metafórica das cartas, sem complexidade e, o pior, muito indutivo. Se tu tira cartas com Waite, olha pra carta e diz que algo te fere o coração e que, sendo espadas, tem que considerar mais o pensamento mesmo que doa. Mas, pra mim, um três de espadas pode dizer muito mais que isso.

    Pra mim ele pode falar da expansão do pensamento, de foco, direcionamento de energia, crescimento. O três vem depois do dois, que é uma reconciliação ou rompimento, carta da dualidade, e o três é a primeira possibilidade de figura geométrica, de materialização de algo que esse dois te trouxe. O que tu mentaliza cresce e se torna realidade.

    Faz uns dias que perdi uma coisa em uma praça e, enquanto procurava, encontrei uma carta voltada pra baixo. Sempre vejo como um sinal, como uma leitura pra mim, e encontro justo essa. Desisti de encontrar a coisa que perdi porque acabei encontrando o que precisava, e levei como um conselho pra minha semana justo na semana em que ia voltar a tirar uma carta a cada domingo. Encontrei ela no sábado, mas só parei pra pensar no significado no dia seguinte. 

    O que sinto sobre ela é que sinto: não tenho nenhuma dor agora, e o estigma de "carta da traição" não me assusta; acredito que o que ela me diz é pra que eu mesma não me traia. A espada tem uma ponta que aponta pra algo, e esse é o foco nas palavras que quero que se concretizem nesse triângulo que cresce.

    Gosto de pensar no significado dos arcanos menores como a junção do número com a pinta, e eu, que tiro com Marselha, não me apego às imagens de Waite e sempre me decepciono quando, depois de interpretar com meu baralho a leitura desse 3, busco na internet a imagem de Waite pra aprender um pouco mais. No geral gosto delas, mas essa, nem um pouco. Apenas ignoro e sigo minha interpretação, que, sendo minha leitura, é pra mim mais verdadeira. 

Sananga.

Minha experiência com a Sananga.

Já faz anos que sofro com uma alergia nos olhos, algo, disseram, por baixo das pálpebras que me faz ter os olhos sempre secos mesmo que não tenha nenhum problema de lubrificação. Já fui a muitos oftalmologistas, já usei todos os colírios possíveis, antialérgicos e coisas, e nada nunca me ajudou o suficiente.

Também há anos to inseridas em meios espirituais e entre pessoas que utilizam medicinas ditas alternativas, tradicionais, e com práticas energéticas e coisas do tipo. Assim ouvi falar da sananga, um colírio indígena amazônico, e desde então guardo a curiosidade de testar.

No sul do Brasil, é difícil encontrar essas coisas que vem da amazônia. Muito longe, e muito inseguro também conseguir esse tipo de coisa por internet quando tem tão pouca informação... colírio indígena, limpeza, abrir terceiro olho, limpar sujeiras espirituais, usado pra caça, melhora a visão e insira aqui a lista de todos os problemas nos olhos. Sempre que podia, perguntava pras pessoas dos centros espirituais se conheciam e tinham acesso, e nada. Assim passaram os anos.

Penso, agora, que foi bom ter encontrado essa medicina justo nesse momento da vida. Tem coisas que se precisa amadurecer em alguns aspectos, e eu tava viajando, morando na Bolívia por meio ano e viajando pelo Peru, descobrindo muitas coisas de mim e do mundo, mais aberta pra dores e mais preparada pra entrar em contato com coisas profundas. A sananga é forte como eu não fazia ideia.

Um dia, em Cusco no Peru, fui a Pisac, uma parte del Valle Sagrado de los Inkas. De uma série de coisas por lá, terminei junto a duas pessoas bem ligadas à ayahuasca e San Pedro e perguntei da sananga. Consegui um contato confiável no Mercado San Pedro em Cusco, mandei mensagem pro dono da tienda e fui lá no outro dia. Era uma mulher atendendo na loja de diversos artigos ritualísticos e diferentes medicinas. Perguntei do colírio, ela disse que tinha, pedi umas orientações e ela perguntou se eu queria provar. Claro, pues.

Estava com um amigo argentino. Os mercados que conheci pela Bolívia e Peru me foram desde sempre bem ansiogênicos, mas nesse dia eu tava tranquila apesar da muita gente, muita informação, muito barulho, tudo muito muito muito. Sentei num banco, botei a cabeça pra trás, eu tava insegura e com um pouco de medo da dor que sabia ser inevitável. Já tinha lido que dói quase insuportavelmente por alguns minutos, e, como meus olhos são bem sensíveis, sabia que ia ser duro. Mas melhor provar com alguém que sabe do que depois, sozinha em casa.

A dor de fato foi intensa. Apertava os olhos, ela dizia pra eu abrir e fechar mas era impossível, como um adormecimento, mas ao mesmo tempo como se meus olhos estivessem colados. Senti desespero, achei que não ia mais conseguir abrir porque parecia que não ia passar, a dor era intensa. O reflexo é direcionar a cabeça pra baixo, mas ela dizia pra eu seguir voltada pra cima pra que não saísse a medicina junto com as lágrimas, muitas lágrimas.

Meu rosto inteiro formigava, sentia muco no nariz, a cara toda molhada de lágrimas que eu nem sentia cair de tanto que me doíam os olhos. O argentino tava meio assustado, ele não fazia ideia do que ia acontecer quando recebi as gotas. Não sei quanto tempo durou, acho que não muito, mas parecia bem longo. Ela me dizia pra abrir e fechar os olhos, e eu fazia isso conforme podia. Aos poucos foi aliviando, continuei sentindo o formigamento, e, depois que já conseguia falar, passei a sentir outras coisas.

Fisicamente, os olhos e nariz mais limpos. Sede, também. E logo senti algo muito forte no peito, algo como... paz, felicidade, completude. Algo forte e bonito, luminoso. As cores estavam levemente intensificadas e eu tava também levemente tonta, também um pouco distraída. Lembro que saímos andando na rua e eu tinha que me esforçar pra prestar atenção no trânsito, mas ao mesmo tempo tava bem atenta observando as frutas e pessoas do mercado. Caminhava sorrindo. Sentia estranhamente feliz.

Mas também me senti aberta, vulnerável. Pelo menos já aprendi a me proteger das energias dos outros e podia fazer isso enquanto caminhava na rua, pra não deixar vir um monte de coisas desconhecidas. Depois fomos ao Templo de la Luna e enfim, seguimos o dia depois da minha primeira experiência.

Agora vem a continuidade. Me disseram pra usar dia sim dia não por 15 dias e depois dar uma semana de descanso. Assim, segui o tratamento.

A primeira vez pedi que um amigo pingasse em mim, como a prova no mercado foi muito intensa, não achei que podia fazer sozinha. Também apliquei nele. Nessa segunda vez não doeu menos que na primeira, mas durou menos tempo. Isso parece ser uma constante, cada vez dura menos tempo a dor, mas não diminui a intensidade. Meu rosto não formigou tanto e da mesma forma senti algo no peito, uma completude gostosa.

A seguinte vez pinguei sozinha. Em um dos olhos não entrou a gota, e isso foi bem complicado porque, quando um olho começou a arder, eu já era incapaz de pingar no outro. Passei o dedo na gota que não tinha entrado e enfiei no olho, talvez tenha pingado outra pra fazer isso, não lembro. Mas funcionou. Depois já aprendi melhor a medir onde fica o canto dos meus olhos. Também foi ruim estar com o conta gotas na mão, queria soltar mas não sabia onde, não era capaz de colocar no frasco e não queria botar em qualquer lugar pra não contaminar. Segui segurando, e decidi que na próxima traria um prato ou um copo pra perto. É uma boa ideia, mas já aconteceu de eu errar o prato e largar em cima da mesa acidentalmente mesmo. Acontece.

Percebi que eu sinto quando devo usar ou não. Fui visitar minha família e não senti de usar lá com gente em casa. Esperei todos saírem e mesmo assim estava hesitante, mas segui. Pareceu doer mais, e não senti essa felicidade no peito. Tem muitas memórias na casa que me criei, e não queria me abrir pra elas. Foi bem diferente das outras vezes por isso.

Além disso tudo, tem os efeitos da sensibilidade, do pensamento, do encontro consigo. Isso é super sutil e intenso ao mesmo tempo. Sinto meus pensamentos mais claros, sinto que acesso melhor meus desejos e entendo melhor as coisas quando paro pra pensar/sentir. E, algo que me surpreendeu, quando sento pra meditar e fecho os olhos, vejo claramente um círculo cambiante no centro da minha testa. Nunca tinha visto isso na minha vida e é impressionante que aconteça. "Olho" pra ele enquanto medito e é muito bom.

Percebi outras coisas também, mas a ver com algo que to tratando conjuntamente com outras terapias, auriculopuntura e florais, então já se mesclam os efeitos e não sei  dizer de onde vem cada coisa. Mas me encanta ver como em duas semanas de sananga e uma semana dessas duas outras terapias tanta coisa já mudou.

Amanhã é meu último dia dos 15 de tratamento. Na verdade sinto meus olhos mais secos que antes, mas acho que isso também faz parte do processo. Sei que a pausa também é uma etapa da melhora, e depois vou repetir os 15 dias. Outras coisas físicas que não comentei foi um certo inchaço nos olhos pela manhã mas que logo passa e um acúmulo gigante de remela, que deve ser expulsando o que tem que sair e o próprio resto da medicina. 

Nunca pensei que um colírio podia trazer coisas tão intensas e nada físicas como o que me trouxe nesses dias, mas nunca duvidei da medicina da floresta e por isso não me surpreende. Sei também que, pra quem vive na não dicotomia entre ser humano e natureza, o físico e o espiritual tampouco são diferentes, e isso é algo incrível de experienciar. Agora, conectada com essa força, sigo meus processos.