sexta-feira, 16 de junho de 2023

Violência temporal de segundo em segundo.

 Não quero acreditar em segundos. Como querer acreditar em algo tão intensamente violento? A suposta existência dos segundos faz com que eles sejam considerados como entidades reais, que nos apressam ou fazem esperar - apesar de mais apressarem. 

Parece que minha vida passou a ser pior quando comecei a me importar mais com segundos e minutos, ou melhor, quando percebi que segundos e minutos eram cobranças. Mas que diferença faz chegar em algum lugar aos 29, 30 ou 31 minutos de algum horário? E a diferença real de 40 pra 45? No fim, acaba sendo uma violência pra mim; perco parte da minha paz pra, por 20 segundos, não deixar passar dos 59 pros 00, sendo que mesmo que eu demore dois minutos não vai ter diferença alguma. Mas o que importa não é a diferença real, mas a inventada, e a ansiedade de quem espera, que já está ansiando mesmo aos 54. 

Saber o horário suposto em que um ônibus vai passar, observar o semáforo perdendo números até mudar de cor, fechar os olhos às 7:58 porque o despertador toca só às 8 em ponto, sabendo que vai se assustar ao ouvir. Sendo que dois minutos antes o corpo estava mais descansado e disposto do que depois de esperar, atentamente, deitado na cama, o toque estimulante e estressante de tons definidos por empresas de aparelhos eletrônicos. 

O único tempo que, pra mim, devia existir, é o natural do dia e da noite, e o ano poderia também ser dividido apenas pelas estações. Todo o resto da temporalidade é inventada e, pra mim, violenta na medida que nos impõe algo que temos que acreditar independentemente da vida que desejamos. Não quero ter cinco dias de trabalho e dois pra descansar, não quero a obrigação de sair de casa num temporal, ainda mais correndo de pés molhados pra não perder o horário. 

A violência temporal nos é imposta de segundo em segundo. A resistência é manter o passo lento, o respirar suave e o olhar no céu. 

Borda.

 É estranho o sentimento de não estar em nenhum lugar. Já não vivo em Porto Alegre porque minha intenção tá longe, mas não vivo ainda em nenhum lugar diferente daqui porque é onde meu corpo repousa e se move. Não sei como fazer pra conciliar cada coisa em seu lugar, o corpo e a ideia em coabitação pra dentro e fora da minha pele. Nem minha língua é a que quero falar, penso e tento escrever em espanhol, mas as frases me travam e percebo que não consigo me expressar o suficiente. E é um momento em que, especialmente, preciso me expressar, porque é tanta novidade que não posso deixar que as palavras me fujam justamente nesse momento da vida. 

Onde eu to, se é com ânsia de sair de um lugar e com medo de chegar no outro? Como eu tô, se o que vivo não é nem o que me acontece e nem o que me vai acontecer? Tô sentindo nesse meio termo, nesse espaço em que nem subo nem desço, nem entro nem saio, como se estivesse flutuando à espera. E ao mesmo tempo, mais do que nunca, precisando agir, porque nada se resolve sozinho, nem a vida de cá e muito menos a vida de lá. Sigo esse caminho por la orilla. 


terça-feira, 6 de junho de 2023

Deller.

Tenho medo que o antidepressivo me tenha feito entender menos do que acontece comigo. Que ele mude as ligações e mensagens dos meus neurotransmissores a ponto de não me permitir enxergar sentimentos e sensações, e por isso me sentir melhor, por ser forçado a ignorar algo que tá dentro. Pensei isso quando percebi que me sentia bem há meses, sem ficar num estado de tristeza maior que no momento exato em que ela acontece, mas que tava começando a sentir muita ansiedade e, apesar de pensar que tava bem, ver que meus dedos estavam todos sangrando de arrancar pele com os dentes. Como posso estar bem se minhas cutículas estão constantemente na minha boca deixando sangue correndo pelo canto das unhas? Não pode ser assim.
Pensava que já tava bem o suficiente pra poder parar ou diminuir a dose dos remédios, mas isso de roer os dedos e o surto repentino que tive e comentei nos últimos textos me fez querer parar justamente pelo motivo contrário; talvez eu não esteja suficientemente bem, e pra melhorar prefiro ser capaz de entender por que sofro do que ter enganos nas minhas sinapses que me fazem sentir que tá tudo bem. Mas é tão complexo. Posso estar certa, posso estar errada ou pode simplesmente não ter nada a ver com nada disso.
O que importa é realmente estar bem, não importa a maneira? Claro que não quero mais sofrer, há 15 anos tenho crises e apelei pra um tratamento psiquiátrico porque simplesmente não aguentava mais viver dessa forma. Cheguei à conclusão que isso nunca vai passar na minha vida, o que é muito frustrante, mas acho que realmente não tem jeito além de me acostumar com as reduções e tentar sempre diminuir mais e mais os sintomas, apesar de sabendo que sempre podem voltar a qualquer momento.
Queria saber se isso tudo faz algum sentido. Queria saber como são as mensagens dos meus neurônios e o que se modifica nelas tomando succinato de desvenlafaxina ou qualquer outro medicamento que seja. Queria saber como faz pra chorar, porque penso realmente que isso resolveria muitas coisas na minha vida. Mas não choro, não entendo o que tem dentro de mim seja com ou sem antidepressivos, e tenho essas confusões sobre o que é o certo a se fazer. Mudar doses sem acompanhamento médico é sempre ruim, mas acho que ela não ia aceitar minha decisão e eu ia acabar diminuindo igual... pelo menos não parei de tomar, igual muitos fazem. O que será que vai mudar em mim?